Amor: relação abismal
O abismo dele, sua profundidade, é o espaço de queda para a entrega dela, para a sua dança, seus rodopios, confusões, desejos, ânsias, medos. O abismo dela, seu útero, é o espaço que será penetrado pela profundidade dele. O abismo dela se abre, se entrega e mergulha no abismo dele. O abismo dele invade, inflama e penetra o abismo dela.
A mulher precisa ansiar por profundidade e assim aumentar seu abismo interior. Isso atrairá os melhores homens, aqueles com profundidade suficiente para preenchê-las, aqueles com um abismo infinito o suficiente para que elas se precipitem, se joguem, se entreguem.
Por um lado, a profundidade masculina funciona de forma ativa, invadindo-a, dominando-a, acolhendo-a, como se tivesse passagem livre pelo corpo e pela alma feminina, em uma massagem incessante, interna e externa. Por outro lado, a profundidade masculina é passiva, sendo o abismo no qual a mulher se jogará, sendo o espaço e a liberdade para o mergulho feminino, para sua entrega derradeira.
O homem tem de treinar um livre transitar em meio à confusão feminina, em meio às suas energias de movimento frenético. Uma lucidez dentro dos ciclos malucos das mulheres. Sem isso, uma mulher não conseguirá se soltar. Essa prática pode ser feita com qualquer manifestação feminina (música, natureza, problemas cotidianos, momentos de prazer sensorial, situações aflitivas, cinema) e não apenas diretamente com mulheres. Não é por acaso que os músicos em geral adquirem habilidades especiais de sedução e conquista.
É como se ele dissesse:
“Eu gosto de penetrar o abismo numa mulher. Você precisa de um bom tempo sozinha para deixar esse abismo crescer. Você precisa me querer dentro de seu corpo. Você precisa me chamar, ansiar pela minha presença. Seu corpo tem de rodopiar e querer mergulhar para que você possa me atrair.
Você deve se tornar a dançarina enfeitiçada que entrega todas as suas energias e todas as suas confusões para o olhar e para os braços da minha sabedoria imóvel. Você deseja expressar sua beleza, seu brilho, sua luz? Dance para mim para que eu possa dançar com você.
Você tem de ter sede por profundidade antes que eu possa te oferecer a minha. Isso não acontece hoje: eu te penetro e me choco contra uma parede de bloqueios ao livre fluxo da energia de fogo do amor. Seu abismo tem limite. Sua entrega é pouca para minha profundidade.
Meu quarto está todo preparado: velas, incenso, música e um homem que só quer dar prazer. Você consegue se deitar com 100% de seu corpo em minha cama?”
David Deida diz: “Unsurrendered women attract unpresent men”. Tradução livre: “mulheres não entregues atraem homens não presentes”. Homens não presentes são homens pouco profundos, seres sem abismo. Mulheres não entregues, igualmente, são mulheres sem um vasto abismo interior. Em um casal, a intensidade da ânsia feminina pela entrega é proporcional à profundidade da presença masculina.
Quanto mais presente e lúcido for um homem, maior será sua atração pelas energias femininas de movimento, dança, música, brilho e encantamento. Um homem profundo exige uma mulher entregue. Somente ela se deixará conduzir para locais impossíveis, somente em total entrega o homem penetrará seus pontos intocados.
O maior tesão do homem-abismo é penetrar sua mulher por inteiro e fazê-la confiar mais nele do que em si mesma, iniciando-a no mistério do amor, na energia de êxtase da liberdade. O maior tesão da mulher-abismo é se entregar perdida e completamente, expressando toda a sua beleza e brilho em uma dança cuja condução cabe exclusivamente ao seu homem e cujos movimentos cabem exclusivamente a ela.
É como se ela dissesse:
“Eu me debato, surto, me confundo, sorrio e choro no mesmo minuto, irrito, implico, cobro e reclamo, mas quero que você simplesmente fique aqui, quero sua presença impassível, seu olhar transcendente que entende o além-de-mim.
Quero que você me abrace e beije com força, cortando minhas neuroses pela base. Cada briga que provoco é apenas um teste para ver se você consegue adentrar qualquer canto de mim com seu amor liberador, se sua consciência consegue lidar com todas as minhas energias de manifestação.
Quero que você me abra por inteiro e finalmente me livre dessa contração, dessa ânsia por sempre sair fugindo do momento presente. Você consegue me preencher totalmente? Consegue me inundar de seu amor, percorrendo e encharcando cada uma das partes de minha alma-corpo? Consegue me fazer transbordar de mim mesmo? Fazer meu corpo implodir?
Meu quarto está todo preparado: estou nua. Você consegue invadir 100% de minha mente e abraçar 100% de meu corpo? Consegue ser profundo o suficiente para que eu possa confiar e me entregar a você?”
Rendição. Uma mulher autêntica deseja apenas isso, ser totalmente rendida. Ela pode parecer querer comandar ou não saber o que deseja. Ela pode irritar seu homem, provocá-lo ou evitá-lo. Mas ela só quer sua potência, sua liberdade, sua profundidade. Ela quer ser interrompida em sua confusão. Quer ser rendida, de corpo e alma.
Por mais que uma mulher seja independente, autônoma e inteligente, o que ela mais deseja é ser sua, possuída pelo amor e pela consciência de um homem. Quando um homem-abismo diz “você é minha”, não há relação alguma de posse, mas um acolhimento infinito e incondicional. Dizer isso para uma mulher é algo tão corajoso e raro quanto abraçar o mundo inteiro, tornar-se o universo, tornar-se pura liberdade. É fazer amor com todas as energias femininas de criação que constituem todos os fenômenos, todos os seres.
Em um certo sentido, penetrar uma mulher é penetrar o mundo. Não há diferença entre os contornos de uma mulher e vales, montanhas, sóis e estrelas. Acariciar verdadeiramente uma mulher é ficar íntimo de todos os fenômenos e seres. Ao sentir-se confortável com as reclamações e surtos de uma mulher, o homem aprende a sentir-se “em casa” e aberto a qualquer situação possível no mundo. Ao liberar sua mulher, o homem libera o mundo. Do mesmo modo, ao se entregar para seu homem, a mulher se entrega à vida em toda a sua potência, se abre ao universo, é possuída pelo infinito — e não há nada mais belo do que uma mulher que exibe isso em seu olhar.
Em uma relação iluminada, eles se abismam um ao outro. A mulher se entrega ao homem e, de dentro dele, dança o universo com sua energia de luminosidade, brilho, charme, carne, prazer. O homem a possui e, dentro dela, fornece o espaço e a liberdade para que nasça mais um universo. É tão simples quanto dança de salão: o homem conduz e a mulher rodopia, encanta, fascina.
Do: Nao2Nao1 por Gustavo Gitti
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